quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

A cidade em que apenas eu não existia.

Mariana sentia-se só.
Possuía diversos problemas de relacionamentos com os pais e, ao ver seu olhar perdido, Julieta a confortava com um abraço.
Julieta sentia-se perdida em relação ao futuro.
Não sabia quais caminhos iria seguir, e duvidava muitíssimo da sua capacidade de ser uma profissional realizada. Ao escutar suas lamúrias, Maria Eduarda a chamava para ver algum filme e se distrair.
Maria Eduarda não conseguia lidar com sua dor.
Após a morte da avó, sentia-se perdida e desolada. Antônia, ao observar sua angústia, lhe dava um beijo na bochecha e dizia que tudo iria ficar bem.
Antônia sentia-se desiludida após o término com seu namorado.
Não conseguia enxergar um futuro longe da pessoa que passou tantos anos ao seu lado, e a abandonou de um dia para o outro. Ao escutar seu choro, Eu me levantava e sentava ao seu lado, explicando que ela deveria ser feliz consigo mesma, e não depender de outro alguém. Que todos eram livres para partir.
Eu possuía dificuldade em lidar com meus problemas.
Após a tempestade que passou pela minha vida, arrancando todas as árvores e o conjunto habitacional e tranquilo que ficavam por lá, chorava todas as noites, logo após ter crises de ansiedade em que desejava não mais existir. Apenas o vazio me servia de companhia.

E essa era a cidade em que apenas eu não existia.

terça-feira, 12 de maio de 2015

O conto do menino castanho

Todos os dias era a mesma coisa, acordava desesperado procurando por algo que nunca achava. O coração estava vazio, tal como seus olhos castanhos cor de amêndoa. Levanta-se sonolento da cama e andava, em passos lentos, até a cozinha, observando-a vazia. Olhava atrás do sofá, da porta do quarto, debaixo da cama: e nada. Não achava em lugar nenhum. Às vezes, em dias quentes, sentava-se no encosto da janela e procurava nos classificados dos jornais. Lá de cima ele poderia ver a vista e, quando uma leve brisa primaveril tocava-lhe o rosto, ele se sentia mais tranquilo. O tempo foi passando e o rapaz ficava cada dia mais impaciente. Andava pelas ruas desesperado, encarando todos os rostos desconhecidos a procura de algo que há tanto esperava. No final da tarde, continuava vazio. Mas, em um dia qualquer, quando adentrou seu quarto, encontrou uma caixinha arcaica, marrom escura e, naquele momento, quando a abriu e encarou o pequeno espelho que estava na mesma, achou o que tanto procurava.

domingo, 10 de maio de 2015

Nega da pele cor de café

Nega da pele cor de café, fala pra mim o que você quer, porque não há nada no mundo que eu não faria por você, oh nega! Se tu me pedisse, eu enfeitaria a rua com benitoíte, só pra ver você passar. Andaria do Rio até Marajá e, mesmo que isso não fosse propriamente um lugar, eu o criaria só para você, oh nega! Eu compraria mil rosas tingidas de azul, a levaria no colo até o Rio Grande do Sul se acaso você reclamasse do calor, oh nega! E, se um dia qualquer, eu acordasse de manhã e visse você pedindo acarajé, eu pegaria o primeiro avião só para acalmar seu coração, oh nega! E às três você reclama, diz que quer ir pro samba, diz que quer rodar. Pego uma viola e te acompanho, na corda bamba, vendo você tão feliz que só isso já ajuda a me acalmar. E se você me pedisse um abraço, eu arrancaria mil braços, caso você quisesse um maior. E quando você está entediada, com a cara emburrada, invento um samba de uma nota só. Isso tudo por você, oh nega! Cor de jamelão, tens seu coração duro, afiado e batalhador. Olho no espelho e me vejo completa, pois sou reflexo do seu amor, oh nega!

sábado, 4 de janeiro de 2014

Consulta

O espelho reflete a imagem que eu me recuso a acreditar.
- Olhos dilatados, aperto no peito, como se fosse uma euforia, entende? Ando sorrindo sempre também, e chorando com frequência... Pensativa e emocional. 
- Compreendo.
- Então, Doutor. Sofro de quê?
- De amor. 
O que eu faço com isso, que habita dentro de mim, que me consome? Cada centímetro da minha pele implora por um toque que não está por perto. Cada segundo que eu não o vejo, me torno exasperada, aflita pelo momento de encontro. Espero ansiosamente por atitudes (que não surgem) e choramingo baixinho, enquanto meus olhos lacrimejam de tal forma que alguém poderia facilmente afogar-se. Eu poderia olhá-lo durante horas e não me enfadar de sua imagem. Nem a mais bela paisagem consegue se comparar com a grandeza de sua beleza. Já dizia Cazuza: "Que prazer mais egoísta o de cuidar de um outro ser, mesmo se dando mais do que se tem pra receber..." Mas, não deveria doer. Não deveria ser assim. É sublime, imensurável, esplendido. Então, porque dói?
- Como assim, Doutor? Como pode o amor ser uma doença?
- O problema é que você sente tudo em dobro. Fica sempre com o peso maior para carregar.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Bossa nova


Entre "trancos e barrancos", estava lá. A janela fechada, o leite derramado, a vidraça quebrada, o móvel empoeirado; o sorriso se perdera na imensidão do vazio de seus lábios. A doçura que antes predominava em seu olhar, era algo esquecido e, não mais, enaltecido. Quando desviava a visão, de modo cansativo até a parede, não havia mais o preto-e-branco que costumava confundir-lhe a mente, pelo contrário: Haviam pequenas manchas, pouco visíveis, espalhadas. De cor verde.
Seus lábios curvaram-se lentamente para cima, como há muito não faziam. Surpreendeu-se consigo mesma. "Estou sorrindo?", pensou, incólume. De forma súbita o vento abriu a janela, sem perdir-lhe licença, batendo a mesma contra a parede sem nem perguntá-la se estava bem. Entrara rapidamente, temeroso, como se estivesse atrasado. E com ele, uma melodia espalhou-se pelo quarto, tomando o ambiente e entrando aos poucos pelos poros da moça, adentrando sua circulação, difundindo-se pelo corpo e chegando até sua mente, fazendo-a cantarolar com o tom de voz firme e audível: "Apesar de você amanhã há de ser outro dia. Eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia?"
Rodopiava em cima das madeiras velhas e empoeiradas, como uma bailarina, em movimentos tênues. Ao longe, a cena era tão digna de ser detalhada em uma tela, quanto "O beijo" de Klint: A jovem, que antes desesperançada, dançava sobre os destroços com alegria, com a única certeza de que "Amanhã vai ser outro dia."

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Agapórnis



    As leves brisas primaveris passeavam pelas ruas, depositando beijos doces nos rostos corados das incógnitas pessoas que caminhavam naquele local. Arbustos floridos de lantanas vermelho-sangue eram dispostos sob a grama verde fresca que cheirava a vida; rostos inundados de alegria, crianças transbordando em suas faces o quão maravilhadas estavam de poder apreciar algo como aquilo (algumas línguas utópicas diziam que era o paraíso).
  Seus passos eram lentos e gentis, os pés decalços, afundados no chão cor-de-esmeralda com algumas pedrinhas importunas que ela chutava às vezes, quando entravam em seu caminho. Sentou-se à beira de um rio, levando seus dedos cor-de-carmim às águas cristalinas, onde pequenos peixes dourados dançavam ao som da música da torrente; um sorriso inesperado tomara conta de seus lábios quando vira pequenos agapórnis coloridos voando pelo local, em uma valsa fraternal de acasalamento e amor; pudera ouvi-los murmurar juras apaixonadas perante aquela paisagem, ao Deus sol, ao céu, à água, às raízes, o quanto se amariam.
- Para sempre. - Assustou-se com a voz ao pé do ouvido, rouca e aveludada. Virou-se e encarou olhos cinzas claríssimos, que ela tivera certeza que sob algum certo tipo de luz tomariam o tom de violeta.
- Como disse? - Sua voz soara baixa, como se fora obsoleta. Por um momento as brisas fugiram, como se estivessem apressadas em ir para casa. Os arbustos floridos desapareceram em algum vazio que ela não notara como chegara alí, o chão tornara-se profundo demais e o riacho já não existia. O seu paraíso desaparecera. Apenas aqueles olhos permaneciam.
- Os agapórnis. - Ele disse, levando uma de suas mãos até as águas cristalinas, como se acariciasse a margem - A palavra tem origem do grego, e significa pássaro do amor. Segundo uma antiga lenda, estes pássaros formam casais inseparáveis e, quando um vem ao acaso morrer, o outro não se acasala mais. Sofre calado amando sua parceira inexistente... Para sempre.
Ela escutara tudo de cabeça baixa, domada pela história e pela voz. Existiria algo mais belo que isso?
- E isso é verdade? - Inclinou seu rosto para cima e encarou o vazio. Seu paraíso voltara e, os olhos cinzas penetrantes que antes estavam alí encarando-a, sumiram com o vento.
- O que faz aí encarando o nada? - Ela erguera sua cabeça quando ouvira uma voz conhecida, de sua amiga. A observava como se a saniade estivesse escapulindo pelos seus poros. A menina sorriu, e encarou o agapórnis de cor azul-turquesa parado ao seu lado, levando um de seus dedos até a ave, sentindo-o empoleirar-se em sua pele, arranhando seus dedos com os pequenos pés que possuía.
- Nada. Achei que tivesse visto um anjo.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Quando fui vento

O sorriso dela iluminava todo local por qual passava. Mas, ele não percebia. O modo como ela se movimentava, delicadamente, pisando com a ponta dos pés - tal como uma bailarina - era gentil aos olhos alheios. Menos aos dele, claro. Os cabelos compridos e sedosos caíam delicadamente sobre suas costas, como uma manta de linho. O cheiro de orquídeas escapava de sua pele, impregnando o local por qual ela passava. Mas, ele não percebia. Os seus olhos pareciam mar de chocolate, amêndoas tão castanhas que se alguém encarasse lá dentro deles, se perderia na imensidão. Menos ele. E cada dia ela se transformava em algo por ele; um dia era flor, n'outro era fruto, grão, terra, mar, pássaro, sereno. Mas, foi quando finalmente tornou-se vento, que pode tocar seus lábios em forma de brisa.