sábado, 23 de outubro de 2010

Diálogo de uma decepção.

- Está chorando?
- Oh, não, não estou.
- Claro que está. Porque chora?
- São assuntos meus. Se contar problemas resolvesse, ninguém mais os teria.
- Não resolve, mas alivia.
(silêncio)
- É triste quando moldamos a confiança em uma pessoa como se fosse um pequeno cristal, entregamos e deixam-na cair, sem o menor cuidado. É difícil juntar os pedaços depois...
- É difícil, mas com o tempo conseguimos, colando cada pedacinho.
- E se algum pedaço se perder pelo meio do asfalto?
- Aí encaixamos outro no local. Vai parecer igual, mas saberemos que não será a mesma coisa.
(silêncio)
- Porque será que as pessoas magoam umas as outras? Acho difícil ser por pura inocência...
- Eu prefiro acreditar que seja. É difícil crer que alguém seria tão cruel a esse ponto.
- Dói aqui dentro, menino. É uma dor que incomoda, cutuca, machuca o coração.
- Deixa ver... É, está batendo bem devagar.
- Não tem mais forças para bater normalmente. A dor o agride de tal forma, que ele não consegue mais se lembrar como era antes dela chegar.
- Você tem que procurar se apoiar em alguém que nunca vai te abandonar, consegue me entender?
- Você?
- Você.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Pierrot apaixonado.

Eu estava jogado naquele beco sujo. Naquele beco sujo, eu estava jogado. E eu podia ver ao meu lado, garrafas baratas, largadas naquela rua pacata, onde eu me afoguei em solidão. E eu sentia o meu frágil coração se quebrar em pedaços, como em pequenos retraços, sofrendo com o embaraço da ilusão. E cada gota que caía dos meus olhos, você respondia em refolhos, sem se preocupar se aquilo iria volatilizar o que eu sentia por você. E eu te via na ciranda, em demanda de alegria, você rodopiava, você ria, para outro, não para mim. E eu me perguntava porque tem de ser assim, enquanto me escondia atrás do muro, com meus sentimentos inseguros, talvez um pouco imaturos, mas você me entenderia. Sorria, ah, tão bonita colombina! Teu sorriso me afetava mais do que anfetamina, fazendo-me sorrir junto, na esquina, ao te ver tão deslumbrante, seus olhos cintilante, isso era confortante. E então desafiante, ele se aproximou. Apresentou-se como arlequim, sua pele cor de marfim, suas roupas multicolor. E com sua conversa de botequim, ele te conquistou. Encantada como em um jardim, você era a rosa, entretida na prosa do seu admirador. E eu te observei ir embora, tão maravilhada, tão aurora, que nada pude dizer. Mas o que fazer? Sou só um simples pierrot, que não tem nada para te oferecer, apenas o meu dilacerante e não tão importante, amor.

domingo, 17 de outubro de 2010

Limpeza.

Abri a velha porta de madeira, ouvindo o ranger de suas dobradiças tentarem me avisar que já deveria ter feito isso a muito tempo. A claridade tomou conta do pequeno quarto onde o breu me fazia companhia durante tempos. Pude enchergar a poeira e todos meus sonhos e ilusões caídos entre os móveis antigos. Peguei um saco plástico e coloquei todos no mesmo, um por um. Retirei todas as fotos, músicas, risos, lembranças e coloquei-as dentro do saco. Varri para fora do quarto todas minhas lágrimas e joguei a tristeza pela janela. Caminhei devagar até o rádio e liguei o mesmo, ouvindo uma melodia dançante me fazer fechar os olhos e balançar a cabeça devagar, sentindo a música entrar pelas minhas narinas, me entorpecendo e indo direto para minha corrente sanguínea. Quanto tempo eu não fazia isso? Nem me lembrava mais. Meus lábios se curvaram e eu notei que já podia sorrir. Céus, depois de meses eu conseguia sorrir. Me dirigi até meu armário e procurei entre todas as velhas roupas - que decidi jogar fora também - meu arcaico coração. O achei em um canto escondido, enrolado em plástico bolha com toda a delicadeza do mundo, para não se machucar. Retirei o plástico e pude sentir que ele batia normalmente, sem dor. Reparei que havia esquecido da angústia debaixo da cama e agarrei-a, jogando-a no saco também. Olhei para o lado e havia ainda uma pequena lembrança de você em cima da cômoda. Mas, não a joguei fora. Sabe por quê? Notei que tudo isso me ajudou. Quando joguei toda dor, angústia e ilusões fora, vi que elas tampavam os momentos de felicidade. E eu precisava deles. Esquecer não é o jeito de viver melhor. Eu quero lembrar. Lembrar de todos os momentos, de todos sorrisos. De toda dor. E pensar: Que bom que já não me atinge mais.

domingo, 10 de outubro de 2010

Diálogo do fim.

- Eu não entendo. Porque você está me deixando? Foi algo que eu fiz?
- Não.
- Então... Por quê?
- Eu... Apenas preciso. Você nunca acordou com uma vontade repentina de jogar tudo para o alto? Família, faculdade, amigos, amores e ir embora? Sem rumo, apenas você a caminho do sol. Encontrar a felicidade.
- Não. Minha felicidade é você.
- Mas, a minha não é você.
(silêncio)
- Nós estamos perdidos, né?
- Nós nos perdemos no momento em que nos encontramos.
(silêncio)
- Apenas... Me responda. Você foi feliz comigo? Aqui?
- Não..
- E você vai ser feliz nesse novo lugar?
- Não...
- Então... Por que ir?
- Porque é preciso. Eu tenho a chance de mudar minha vida.
- Mas... E eu?
- E você? Você vai me amar para sempre. Vai me procurar em cada beco, garota, bar. Aí um dia, em um lugar qualquer, você vai me ver. E vai achar que foi apenas uma ilusão, e eu irei embora.
- E você me amou? Digo, de verdade.
- Falar sobre o amor é tão clichê. E eu acho o amor deveras tedioso. É como pedir comida pelo telefone. Você espera a comida chegar, fica ansioso, quando ela chega você come bastante, fica cheio, e vai sentar no sofá para ver um programa qualquer na TV.
(silêncio)
- Eu vou sentir tua falta.
- Eu também.
(silêncio)
- Acho que é isso então. Eu devo ir.. Você.. vai para casa?
- Não. Vou ficar apenas aqui sentado, te vendo ir embora.
- Hum... Adeus então...
- Adeus.






Texto inspirado no filme do diretor Matheus Souza "Apenas o fim". Qualquer semelhança, não é mera coincidência.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Loucura.

Ah, e daí se eu quero correr por aí, gritando a plenos pulmões tudo que sinto? Se sinto vontade de abrir meu guarda-roupa, retirando todas as antigas roupas e rasgando-as em pedacinhos? Se quero tomar banho de chuva, beijar na lua, nadar no ar. Se quero dançar no vento, chorar desalento, melindrar. Quero construir um castelo de areia, onde o meu amor teça uma teia que guarde seu coração. E no meu reino terá um grande deserto, com personagens incertos, sem direito a alteração. Mas eu irei me preocupar de reservar um espaço, nem que seja um pedaço, só para você. Iremos dançar uma valsa, em cima de uma balsa, perto do mar. Sonho com esses tormentos, a todo momento, interestelar. E eu vou ingerir um remédio, pular de um prédio, aprender a voar. Pousar em um terreno, tomar um veneno, sorrir. Isso era tudo que eu queria, viver nessa epifania, rir. Ao meu ver isso não é errado, querer viver no pecado, compenetrado. E se eu quiser pôr fogo na casa, você vai me impedir? De quebrar os móveis, reunir os fósseis do que restou de mim. De quando eu possuía sanidade e achava banalidade querer viver assim. Cansei de ser aquela velha garota passada para trás. Quero mais é que o circo pegue fogo, que o espetáculo irá começar. E eu pretendo dançar sobre os destroços, sem nenhum remorso do que você irá achar.