terça-feira, 2 de outubro de 2012

Bossa nova


Entre "trancos e barrancos", estava lá. A janela fechada, o leite derramado, a vidraça quebrada, o móvel empoeirado; o sorriso se perdera na imensidão do vazio de seus lábios. A doçura que antes predominava em seu olhar, era algo esquecido e, não mais, enaltecido. Quando desviava a visão, de modo cansativo até a parede, não havia mais o preto-e-branco que costumava confundir-lhe a mente, pelo contrário: Haviam pequenas manchas, pouco visíveis, espalhadas. De cor verde.
Seus lábios curvaram-se lentamente para cima, como há muito não faziam. Surpreendeu-se consigo mesma. "Estou sorrindo?", pensou, incólume. De forma súbita o vento abriu a janela, sem perdir-lhe licença, batendo a mesma contra a parede sem nem perguntá-la se estava bem. Entrara rapidamente, temeroso, como se estivesse atrasado. E com ele, uma melodia espalhou-se pelo quarto, tomando o ambiente e entrando aos poucos pelos poros da moça, adentrando sua circulação, difundindo-se pelo corpo e chegando até sua mente, fazendo-a cantarolar com o tom de voz firme e audível: "Apesar de você amanhã há de ser outro dia. Eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia?"
Rodopiava em cima das madeiras velhas e empoeiradas, como uma bailarina, em movimentos tênues. Ao longe, a cena era tão digna de ser detalhada em uma tela, quanto "O beijo" de Klint: A jovem, que antes desesperançada, dançava sobre os destroços com alegria, com a única certeza de que "Amanhã vai ser outro dia."

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Agapórnis



    As leves brisas primaveris passeavam pelas ruas, depositando beijos doces nos rostos corados das incógnitas pessoas que caminhavam naquele local. Arbustos floridos de lantanas vermelho-sangue eram dispostos sob a grama verde fresca que cheirava a vida; rostos inundados de alegria, crianças transbordando em suas faces o quão maravilhadas estavam de poder apreciar algo como aquilo (algumas línguas utópicas diziam que era o paraíso).
  Seus passos eram lentos e gentis, os pés decalços, afundados no chão cor-de-esmeralda com algumas pedrinhas importunas que ela chutava às vezes, quando entravam em seu caminho. Sentou-se à beira de um rio, levando seus dedos cor-de-carmim às águas cristalinas, onde pequenos peixes dourados dançavam ao som da música da torrente; um sorriso inesperado tomara conta de seus lábios quando vira pequenos agapórnis coloridos voando pelo local, em uma valsa fraternal de acasalamento e amor; pudera ouvi-los murmurar juras apaixonadas perante aquela paisagem, ao Deus sol, ao céu, à água, às raízes, o quanto se amariam.
- Para sempre. - Assustou-se com a voz ao pé do ouvido, rouca e aveludada. Virou-se e encarou olhos cinzas claríssimos, que ela tivera certeza que sob algum certo tipo de luz tomariam o tom de violeta.
- Como disse? - Sua voz soara baixa, como se fora obsoleta. Por um momento as brisas fugiram, como se estivessem apressadas em ir para casa. Os arbustos floridos desapareceram em algum vazio que ela não notara como chegara alí, o chão tornara-se profundo demais e o riacho já não existia. O seu paraíso desaparecera. Apenas aqueles olhos permaneciam.
- Os agapórnis. - Ele disse, levando uma de suas mãos até as águas cristalinas, como se acariciasse a margem - A palavra tem origem do grego, e significa pássaro do amor. Segundo uma antiga lenda, estes pássaros formam casais inseparáveis e, quando um vem ao acaso morrer, o outro não se acasala mais. Sofre calado amando sua parceira inexistente... Para sempre.
Ela escutara tudo de cabeça baixa, domada pela história e pela voz. Existiria algo mais belo que isso?
- E isso é verdade? - Inclinou seu rosto para cima e encarou o vazio. Seu paraíso voltara e, os olhos cinzas penetrantes que antes estavam alí encarando-a, sumiram com o vento.
- O que faz aí encarando o nada? - Ela erguera sua cabeça quando ouvira uma voz conhecida, de sua amiga. A observava como se a saniade estivesse escapulindo pelos seus poros. A menina sorriu, e encarou o agapórnis de cor azul-turquesa parado ao seu lado, levando um de seus dedos até a ave, sentindo-o empoleirar-se em sua pele, arranhando seus dedos com os pequenos pés que possuía.
- Nada. Achei que tivesse visto um anjo.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Quando fui vento

O sorriso dela iluminava todo local por qual passava. Mas, ele não percebia. O modo como ela se movimentava, delicadamente, pisando com a ponta dos pés - tal como uma bailarina - era gentil aos olhos alheios. Menos aos dele, claro. Os cabelos compridos e sedosos caíam delicadamente sobre suas costas, como uma manta de linho. O cheiro de orquídeas escapava de sua pele, impregnando o local por qual ela passava. Mas, ele não percebia. Os seus olhos pareciam mar de chocolate, amêndoas tão castanhas que se alguém encarasse lá dentro deles, se perderia na imensidão. Menos ele. E cada dia ela se transformava em algo por ele; um dia era flor, n'outro era fruto, grão, terra, mar, pássaro, sereno. Mas, foi quando finalmente tornou-se vento, que pode tocar seus lábios em forma de brisa.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Máscara

Sorrira um sorriso triste. Quieto e seco. Sorrira um sorriso que transbordava toda a mágoa do mundo. Um sorriso que carregava todas as dores enclausuradas em sua alma. Um sorriso que deixava escapar suas entranhas. Ele não percebera. Levantara e fora embora. E ela continuara sorrindo. Um sorriso tão forte que achariam que era felicidade. Enquanto seus olhos transbordavam sangue.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Mãe Lua

Elevo meus olhos aos céus e peço com minha mais sincera prece, que a Mãe lua cubra minha vida com a tua luz tão honrosa. Toca-me, Mãe. Envolva-me com teu manto sagrado, protegendo-me de todo mal. Necessito de tua benção, estou confusa, estou só. O mundo não é nada além de lama e lodo. Um enorme mangue de almas vazias e pérfidas, vagando todos os dias procurando alguma razão que as faça continuar. Não sei o que fazer, Mãe. Ajude-me. Que toda a sujeira deste mundo tão ardiloso e ignóbil não manche minha alma tão tênue e gentil. Vá deitar-se agora, Mãe. O dia já quase nasce. Durma para que amanhã venha cuidar-me novamente. Bons sonhos.