domingo, 26 de dezembro de 2010

Conto de um jardim.

"Você ouviu falar sobre a moça?", brandou o beija-flor rapidamente enquanto estava de frente para a margarida, roubando-lhe beijos floris. A mesma negou delicadamente, balançando todas suas pétalas douradas como os raios de sol. Direcionou seu olhar para um ponto do jardim, onde estava a moça sentada com suas vestes longas, os cabelos compridos e negros. O olhar perdido no céu. Uma estrela egocêntrica soltou uma risada, exclamando aos quatro ventos que ela a observava. "Claro que não", o beija-flor - que de muito sabia - rapidamente se prontificou a falar - "ela observa o céu, pois o mesmo a lembra do seu olhar."
"Olhar de quem?", a margarida perguntou e a estrela direcionou toda sua atenção ao beija-flor, juntamente com a coruja, as outras flores e os grilos que habitavam o jardim. "Do rapaz dos olhos castanhos. Ele está longe agora. Quer dizer, sempre esteve. Eu ouvi por aí, que a moça o amou assim que o viu. Tinham tanto em comum... Porém o rapaz não achava isso. Apesar de gostar muito da moça, ela não era o ideal. Então, todos os dias, ela observa o céu, a procura da estrela mais iluminada.."
"Eu lhe falei, lhe falei que ela olhava para mim", a estrela egocêntrica falou com seu tom de voz superior, cortando o beija-flor que de nada disso gostou.
"Não é por sua causa. Ela procura a estrela mais iluminada, para fazer sua prece sincera, de que algum dia, quem sabe, o rapaz se apaixone por ela." Disse o beija-flor, com um tom de voz suave. E então parecia que o tempo parara. O vento não soprava, as nuvens não passeavam pelo céu, os grilos emudeceram e os pássaros pararam de voar. Todos juntos observavam a moça. O seu olhar era triste, perdido, estava longe. Seu semblante era abatido e ela permanecia quieta. Quem olhasse de longe, veria a cena como uma pintura de uma tela antiga.
"E se ela nunca ficar com o rapaz?", a coruja - que era muito curiosa - perguntou. Todos a encararam e o silêncio habitara aquela cena durante alguns segundos.
"Compraremos uma agulha para ela." , a margarida falara e todos a observaram dessa vez. O beija-flor, que não estava entendendo, resolveu se pronunciar. "Mas, porque uma agulha?" A margarida suspirou durante alguns segundos e observou um raio de sol tocar o rosto da moça, tentando confortá-la. "Para seu coração ela costurar."

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Desapego.

Eu descobri esses dias, no meio de algum sôfrego devaneio enquanto montava a árvore de natal - apesar do clima natalino não estar me dominando no momento - que não sou uma boa pessoa e tenho uma péssima mania. Assim que coloquei a estrela prateada no topo da árvore, sentei-me no chão e passei a observá-la, sentindo todas suas cores sendo absorvidas pelos meus olhos de calendoscópio, enquanto o brilho das luzes que piscavam sem parar me faziam sentir uma pontada de felicidade que só o natal conseguia. Mergulhei novamente em pensamentos. Não sou uma boa pessoa, repeti para mim mesma. Quem sabe assim, repetindo toda hora, de um jeito meio tresloucado, eu me convencia do contrário? E tudo isso se devia ao fato de eu ter a mania de substituir pessoas. São como produtos que tem um tempo de validade. Elas são perfeitamente estáveis e alegres para mim, mas depois de um certo tempo, acontece algo estranho. O doce enjoa, empurro o prato, não quero mais. E perdem a validade... E com isso, eu sinto um enorme vazio dentro de mim. Algo como a imensidão de um céu noturno, só que sem as estrelas. E com isso, eu as substituo por outras pessoas que irão ocupar esse vazio. Preencher o espaço, tampar o buraco que fica dentro de mim. Não queria que fosse assim. Sei o valor que cada um tem, mas simplesmente não posso evitar. Elas se estragam com o tempo. E eu não me sinto triste, nem feliz, nem mais nada. É oco, vazio. Só. E em uma última tentativa - embora inútil - escrevo uma carta para o Noel, deixando-a ao pé da árvore, para ser vista assim que ele adentrar meu lar. Quem sabe ele lendo, e entendendo, poupe-me desse nada que é viver a esperar quando será o próximo momento - e qual será a pessoa - que eu irei me desapegar.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Manto Tolo.

- Aqui também não tem lua. Há um manto acinzentado que cobre o céu. Ele é frio, meio ríspido. Deve ser ciumento. Escondeu todas as luas, as estrelas. As danças. Só restou vento. E frio.

- Aqui tem uma pequena mancha cinza em um canto. Ele não deve querer a lua com a gente... Quer o brilho dela só para si.

- Manto tolo.

- Manto tolo. Ele não deveria sentir ciúmes, né? Nunca uma coisa é totalmente nossa. Pertence a nós e ao mundo.

- Mas sabe que não é a primeira vez que isso acontece. Eu me lembro que uma vez o orvalho contou pra laranjeira que contou pro parapeito que contou pra janela que contou pra mim que de vez em quando o Decripto é assim mesmo. Diz que ele "é de lua", tem dia que fica deprimido que só vendo. Todo mundo agrada, mas ninguém alegra.

- Ele então deveria procurar a alegria em si mesmo, ao invés de procurar nos outros. Quem sabe dentro dele, perdido em uma de suas veias está ela? A coruja que fica em frente à minha casa, pousada na arcaica árvore poderia contar ao vento. Soube que ele tudo leva e tudo traz. Quem sabe ele poderia contar-lhe isso?

- Então faça assim. Ascenda uma vela, e leve três brevidades pra coruja. Vovó diz que quando você quer um favor do bicho-que-tudo-sabe, tem de primeiro agradar. Mas tome cuidado com o que dirá, pois ela roga desesperadamente com seu olho de pedido quente que ensandece até não querer mais. E mande as estrelas dançarem aquela ciranda de quarta-feira, vai que dá uma alegrada do Velho Céu.

- Uma vela com aroma de canela ou de flor-de-cerejeira? Ou ela aceita qualquer? Escolherei flor-de-cerejeira, pois vem da árvore nobre. Quem sabe assim seduz a pobre coruja, que continua parada na árvore? As estrelas estão escondidas. Acho que elas não gostam do manto acinzentado. Oh, elas são ciumentas! É isso! Sentem ciúme, pois ele lhes roubou o brilho da lua. O brilho da lua e a boa prosa com o coelho, que mora dentro dela! Ouvi dizer que ele é apaixonado pela mesma... Será que foi por isso que o manto a escondeu em seus braços tênues?

- Eu acho que pode até ser. Não sei, a Mãe tem se mostrado diferente comigo. Ela não está tão mais calorosa, teu peito de queijo branco tem se tostado, tua alma de parafina tem se derretido. Eu não sei se ela quer me confundir com aquele coelho, só sei que me sinto um pouco misturado. E o vento, então? Vamos falar a verdade que ele não tem ajudado em nada. Vovó me pediu pra ferver canela, coentro e folha de limoeiro lá na fogueira do quintal pra agradecer as almas que o padecem, mas não sei, não adiantou. Continua tudo parado: o relógio bate certo, a noite cai lenta, o pássaro cala cedo. Não gosto disso, eu queria movimento.

- O vento deveria nos ajudar. O que será que acontece com ele? Acho que sofre do triste pesar da solidão. Sempre o vejo por aí, tão sozinho, levando recados aos olhares curiosos dos passarinhos, que o acompanham de longe. Mas ele permanece só. Não deu certo? Vamos adicionar flor-de-cerejeira. Só uma pitada, bem pequena, dizem que deixa a alma mais serena e alivia o coração. Quem sabe assim, aumenta o movimento desses dias tão desalentos, aumenta a emoção. Quem sabe assim o vento volte a dançar uma valsa, seja no chão ou em cima de uma balsa, e se anime para nos ajudar?

- E se o segredo for mesmo a flor-de-cerejeira, que sua ternura faça da Lua a Mãe Fiel que nos cobre de luz e da sinfonia do silêncio. Que faça do vento a brisa cigana que abrasa os sentimentos que carrega por onde passa. Que faça da coruja a velha sábia da conversa fiada. Que faça do orvalho, do parapeito, e da laranjeira as alcoviteiras que tecem os fios duradouros do cimento popular. Que faça de nós simples admiradores secretos do espetáculo da vida que se faz presente a cada terço de segundo.


G’ Stresser e Mayara Marques.

(aprazivelirreprochidez.blogspot.com)